terça-feira, 26 de agosto de 2014

"Filosofar é aprender a morrer" (Montaigne)



Cara Morte...
“Filosofar é a aprender a morrer” (Montaigne)
            Minhas saudações, sem espera de resposta antecipada, pois temo o dia em que tiver de recebê-las. Hoje gostaria de fazer um pedido, mesmo sabendo de que sua realização não venha a ser obtida. Sei que seus mistérios foram feitos para o silêncio da incompreensão linguística, contudo minhas palavras foram feitas para ser compreendidas – ou pelo menos percebidas – e, por isso, escrevo e digo-lhe este desejo, pois quero ser livre para cantar os segredos de meu coração e de minha razão.
            Meu desejo foi elaborado ao longo dos bilhões de anos da existência deste universo. Foi forjado em meio à expansão do cosmos, do qual faço parte. Talvez, a vontade seja a única que realmente tem coragem de encará-la. Mesmo sabendo do fracasso dos voluntários, ela sabe que deve manter-se corajosamente a cantar o seu maior sonho: a Vida. Sabendo disso, quero dizer-lhe este desejo: Que meus olhos sejam definitivamente apagados por você com a imagem das estrelas e não de seu rosto desconhecido.
            Sei que a curiosidade filosófica de minha existência deseja conhecer seu rosto, porém o encanto das estrelas já conseguiu fazer com que esta curiosidade seja inferior. Repito novamente que meu desejo pode não ser realizado, mas mesmo assim quero argumentar as razões que levam o meu desejo a ser autêntico e real para cumprir-se:
            O primeiro argumento é a paixão pelas estrelas que sonda o meu coração. Sei de que suas chegadas são marcadas constantemente pelos apelos dos apaixonados que pedem mais tempo para viver com seus amantes e mesmo assim sua realização é acionada e cumprida. Porém, peço que leve em consideração que não desejo descumprir sua missão e sim cumpri-las, só que contemplando e tendo a última e única visão de minhas amadas, para que eu possa viver a eternidade cosmológica compreendendo as razões que minha própria razão desconhece.
            O segundo argumento é a audição do silêncio estrelar. As estrelas sempre cantaram em meus ouvidos os segredos do cosmos – sei que não os compreendi todos, mas sempre amei ouvi-las. Sei também que meu desejo é apenas a utilização do sentido da visão e não da audição, todavia a visão final das estrelas me dará a graça de continuar a relembrar e compreender as infinitas e encantadoras melodias que os lindos astros cantaram em meus ouvidos.
            O terceiro e último argumento é a escuridão. Como já disse e todos sabem, até hoje nenhum ser voltou de suas viagens, mas sempre seu principal slogan foi a escuridão. Para que eu possa ver as estrelas será imprescindível que você me presentei com a noite e necessariamente com a escuridão. Ora, sendo a escuridão um presente que permite a manifestação das estrelas, eu opto – como já disse no “Por que Deus criou as estrelas?” por ver o brilho do astro e não a escuridão que o rodeia.
            Confiante de sua compreensão de meu desejo, despeço-me sem esperança de tão cedo vê-la, mas com o constante sonho de que me presentei com este desejo no dia único de nosso encontro, pois – como dizia Vinicius de Morais de você: “chega impressentida/ nunca inesperada/ você que é na vida/ a grande esperada!”.


Jackson de Sousa Braga
24 de agosto de 2014
Nas estradas de um estrageiro